quinta-feira, 13 de agosto de 2015

REGISTROS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DA CRESCENTE RELEVÂNCIA DA JURISPRUDÊNCIA COMO FONTE DO DIREITO

Responda rápido: onde nasce o direito? Uma das mais valiosas lições que se estuda nos primeiros períodos da graduação jurídica é aquela relativa à origem dos direitos, assunto que guarda consigo íntima relação com o tema “fontes do direito”.

Para uma melhor compreensão da ideia que se pretende expor, o caso exige apontar um ou outro conceito doutrinário, a exemplo da definição trazida pelo Professor Washington de Barros Monteiro[1] na obra Curso de Direito Civil, onde afirma que as fontes do direito são os meios pelos quais se formam ou pelos quais se estabelecem as normas jurídicas.

Em Instituições de Direito Civil, Caio Mario da Silva Pereira[2] assevera que o meio técnico de realização do direito objetivo é o que se denomina fonte de direito.

Essas ditas fontes do direito admitem uma clássica divisão doutrinária: a) fontes materiais e b) fontes formais, que, por sua vez, subdivide-se em: b.1) imediatas (as normas legais) e b.2) mediatas (os costumes, os princípios gerais do direito, a jurisprudência e a doutrina).

Embora tenhamos citado conceitos e demonstrado a respectiva classificação doutrinária, não vamos nos ater a essas questões, temas que, aliás, merecem outro momento, dada a sua colossal relevância acadêmica, o que, certamente, exigiria muito mais linhas que as deste simplório e despretensioso ensaio. Em verdade, o que se pretende aqui é demonstrar que a jurisprudência, enquanto fonte do direito - é bom que se limite a leitura somente a esse aspecto, registre-se -, avança a passos largos e, atualmente, pode sim ser considerada como uma das mais importantes fontes do direito brasileiro moderno, pondo, desse modo, em xeque aquela tradicional imagem de que a lei, em sentido amplo, seria a principal delas.

Pelo menos é o que se evidencia desde a Emenda Constitucional nº 45/2004, quando então fora inserido no Texto Maior a súmulas de efeitos vinculantes (art. 102, §3º), bem como nas várias alterações registradas na Lei nº 13.105, de 16/03/2015, que institui o Novo Código de Processo Civil, o qual entrará em vigor somente em 2016.

A título de exemplo, veja-se no quadro abaixo o comparativo do Código Buzaid de 1973 com o novo CPC, onde se verificam duas evidências da valorização da jurisprudência como fonte do direito:

CPC de 1973
CPC de 2015
Art. 285-A: Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
Art. 332: Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:
I - enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;
II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
IV - enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.
Art. 479: O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência.
Art. 926: Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.
§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

Na primeira hipótese, o art. 285-A, inserido pela Lei nº 11.277/2006, inovou o sistema processual ao possibilitar ao magistrado extinguir uma demanda, sem ouvir o réu, nos casos em que aquele juízo já tivesse proferido sentença de total improcedência em outros casos idênticos.

O novo CPC ampliou os poderes do magistrado em relação ao art. 285-A, conferindo-lhe a possibilidade de resolução de processos, sem a oitiva do réu, não só em relação aos seus julgados, mas, também, quando contrariar súmulas do STF e do STJ; acórdãos do STF e do STJ em julgamentos de recursos repetitivos; entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência e, enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.

Já no segundo caso, o CPC de 73 apenas recomenda a uniformização da jurisprudência, enquanto que no novo CPC os tribunais, além de uniformizar sua jurisprudência, devem mantê-la estável, íntegra e coerente, isto é, utilizável como parâmetro ou meio adequado de estabelecimento da norma jurídica ou para servir mesmo de meio técnico de realização do direito objetivo, segundo prelecionavam os insignes civilistas Washington de Barros Monteiro e Caio Mario da Silva Pereira.

Esses apontamentos normativos não deixam mentir: a jurisprudência como fonte do direito vem evoluindo cada vez mais e tomando o espaço de outras fontes tradicionalmente colocadas no topo da pirâmide normativa.

Para os mais afoitos é ter cuidado agora na hora de responder a pergunta inicial, pois a gênese do direito nem sempre pode estar na lei. Muitas das vezes, como visto, ele pode querer nascer primeiro na jurisprudência!



[1] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Vol. I. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. P. 12.
[2] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. I. Rio de Janeiro:  Forense, 2001. P. 35.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

BREVES ANOTAÇÕES SOBRE A POSTULAÇÃO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS


1  A POSTULAÇÃO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

Todo o procedimento da Lei n°. 9.099/95 tem início com a postulação do direito perquirido pelo autor da ação. Portanto, não se pode negar atenção especial para esta fase inaugural do procedimento, uma vez que qualquer equivoco na elaboração da petição inicial ou do termo de reclamação poderá, evidentemente, comprometer a efetivação da futura tutela jurisdicional.

Como se vê, duas são as possibilidades de provocação do Poder Judiciário no âmbito dos juizados especiais: através da petição inicial ou através de termo de reclamação.

Na prática não há diferenças entre esses dois instrumentos processuais. Geralmente, o que se verifica é que a parte autora, quando desassistida por advogado, demanda junto ao juizado especial pessoalmente e de forma oral, sua reclamação é reduzida a termo pelo serventuário responsável para este fim. Daí então falar-se em “termo de reclamação”. Ambos, repita-se, possuem a mesma finalidade: submeter ao estado a possibilidade de resolução do conflito intersubjetivo de interesses, seja pela prestação jurisdicional propriamente dita (sentença), seja por meio de acordo bilateral obtido através da conciliação.

1.1 POSTULAÇÃO SEM ADVOGADO

A parte que não se fizer assistir por advogado poderá iniciar o procedimento através de uma reclamação verbal, a qual será, como já dito, reduzida a termo, ou por meio de uma petição escrita, assinada por ela mesma, tendo em vista que a própria Constituição Federal, em seu artigo 5°, XXXVI, “a”, assegura o direito fundamental de petição aos órgãos públicos para defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder.

A propósito, o artigo 9° da Lei n°. 9.099/95, aponta que:

“Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória”.[1]


Pela leitura do supracitado artigo conclui-se que a parte, quando desassistida por advogado, poderá também iniciar o procedimento através de reclamação verbal, respeitando-se o limite de vinte salários mínimos[2] para o valor da causa.

Surge aí questão genuinamente intrigante: o que fazer quando a parte, desassistida de advogado, postula causa de valor superior a vinte salários mínimos? A princípio, ter-se-ia verdadeira incompatibilidade entre o pedido e a obrigatoriedade contida no artigo 9º, da Lei nº 9.099/95, razão esta que, todavia, não é suficiente para ensejar inconformidade formal que resulte em julgamento do processo sem resolução do mérito ou, ainda, por mais absurdo que possa parecer, numa possível rejeição do protocolo da inicial. Solução mais razoável seria aquela que, na instrução e julgamento, verificando que a causa excede o teto autorizado por lei para que a parte postule sem assistência de advogado, o magistrado questionaria o autor da ação sobre a intenção de constituir patrono para a causa. Havendo interesse do autor, o magistrado suspenderia a audiência instrutória, designando data mais próxima para a sua continuação. Não sendo manifestado tal interesse, a parte autora renunciaria o valor excedente e o magistrado daria continuidade a instrução, adequando o valor da causa e reduzindo-a para os vinte salários mínimos permitidos pela Lei n°. 9.099/95.

Outra observação que também merece registro é a de que a presença do advogado, mesmo nas causas que ultrapassem o limite de vinte salários mínimos, somente poderá ser exigida após a conciliação, ou seja, na fase de instrução e julgamento, pois, antes disso, não há que se falar em jurisdicionalização do procedimento.

Com efeito, a lei que instituiu os juizados especiais cíveis é o resultado da Teoria do Acesso à Justiça, desenvolvida por Mauro Cappelleti e Bryant Garth, que tem como uma das principais preocupações o acesso direto do hipossuficiente ao Poder Judiciário, isto é, sem que esteja, necessariamente, patrocinado por advogado no ato da postulação.

Manoel Aureliano Ferreira Neto[3] pavimenta o assunto, sinalizando o exato momento do procedimento em que se inicia a jurisdicionalização:

“Esse é o entendimento consagrado quanto à função do conciliador, nessa primeira fase do procedimento nos Juizados Especiais Cíveis, que se assenta na concepção de que esse momento não se reveste de natureza jurisdicional. A jurisdicionalização só vem a ocorrer, a partir da audiência de instrução e julgamento, onde o juiz também pode reiterar, e mesmo envidar esforços persuasivos, antes de iniciá-la, a proposta de conciliação, e fazê-la sempre que sentir a possibilidade de os demandantes manifestarem, ainda que de forma vaga, vontade para transigir”.

 Ademais, o Fórum Nacional dos Juizados Especiais – FONAJE pacificou esse questionamento através do Enunciado nº. 36. Ei-lo:

“A assistência obrigatória prevista no art. 9º da Lei 9.099/1995 tem lugar a partir da fase instrutória, não se aplicando para a formulação do pedido e a sessão de conciliação”.

Adotamos, portanto, o entendimento de que a parte autora, ainda quando desassistida por advogado no ato da postulação, poderá atribuir à causa valor superior a vinte salários mínimos sem qualquer prejuízo processual. Contudo, nesta mesma hipótese, deverá estar necessariamente assistida por defensor, regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, até a instrução e julgamento, sob pena de renúncia ao valor que exceder a alçada de vinte salários mínimos. 

1.2 REQUISITOS DA PETIÇÃO INICIAL

Basicamente, a regra estampada no artigo 14, § 1°, da Lei n°. 9.099/95 assemelha-se à tradicional lista de requisitos da petição inicial exigidos pelo artigo 282, do Código de Processo Civil.

Tal afinidade, todavia, encontra seu limite na simplicidade e na objetividade do instrumento (petição inicial ou termo de reclamação) que servirá para iniciar o rito sumaríssimo. Não é por outro motivo, aliás, que a própria lei instituidora dos juizados especiais enfatizou que a petição inicial deverá ser escrita de forma simples e em linguagem acessível.

Não há razão, portanto, que justifique o uso exagerado de expressões latinas e/ou termos complexos que dificultem o razoável entendimento dos atos processuais pelo jurisdicionado, principalmente por aquele que, eventualmente, possa estar desassistido por advogado.

Assim, três são os requisitos exigidos para a petição inicial ou termo de reclamação no rito sumaríssimo:

1) O nome, a qualificação e o endereço das partes;
2) os fatos e os fundamentos, de forma sucinta;
3) o objeto e seu valor.

O nome da parte, tanto autor quanto réu, deverá ser completo. Caso não seja possível identificar o nome completo do réu, o que ocorre por vezes em ações movidas em face de pessoas físicas, não haverá prejuízo citar apenas o nome principal ou apelido. O objetivo fundamental desta exigência é a identificação pessoal do réu para fins de citação, não sendo possível falar em citação por edital no procedimento sumaríssimo (artigo 18, § 2º).

A qualificação, por sua vez, é a indicação da nacionalidade, do estado civil e da profissão. No intuito de facilitar procedimentos futuros, há quem prefira, já na petição inicial, indicar o número de inscrição no CPF ou no CNPJ do réu, fato este que, registre-se, não é exigido pelo artigo em comento e, por via de consequência, não gera qualquer nulidade processual.

A indicação correta do endereço é fundamental para que a carta citatória, bem como as demais comunicações processuais sejam recebidas, tanto pelo réu quanto pelo autor.

O equívoco na indicação do endereço poderá representar para a parte autora significativa perda de tempo. Quando isso ocorre, geralmente ela toma ciência do ocorrido na audiência de conciliação, ao verificar que a carta de citação não fora entregue ao seu destinatário.

A narrativa fática é, talvez, o que de mais importante possa existir na peça inicial. É a exposição dos motivos que levam o jurisdicionado a buscar uma solução pacífica para o seu conflito. É da mais suma importância relatar todo o ocorrido na narrativa fática. Deve haver uma concatenação cronológica dos fatos ocorridos, de modo a transmitir com clareza e precisão os motivos que justificam a busca do Poder Judiciário.

Os fundamentos são, na verdade, o enquadramento legal dos fatos, isto é, a subsunção do fato à norma. Eles, juntamente com a narrativa fática, formam a causa de pedir ou causa petendi. É o que Piero Calamendrei denominou de “dados pessoais” da petição inicial.

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[1] O Supremo Tribunal Federal, através da ADIn n°. 1.127-8, atribuiu interpretação restritiva ao artigo 1°, “a” da Lei n°. 8.906/94, o qual considerava que a postulação nos juizados especiais seria atividade privativa de advogado.
[2] O Enunciado nº. 50 do FONAJE disciplina que: “Para efeito de alçada, em sede de Juizados Especiais, tomar-se-á como base o salário mínimo nacional”.
[3] ANDRIGHI, Fátima Nancy apud FERREIRA NETO, Manoel Aureliano. Meios Alternativos de Solução de Conflitos: mediação e conciliação.  In: LAGES, José Brígido da Silva et al. Monografias. São Luís: Edições ESMAM, 2007. p. 283.