segunda-feira, 27 de junho de 2011

A PROVA TESTEMUNHAL NOVAMENTE EM XEQUE

A melhor das provas, como se sabe, é a documental. Nenhuma outra prova, diz-se desde sempre, é tão cristalina, inequívoca e definitiva como a prova documental. Com efeito, a certeza e a segurança que emanam desse tipo de prova só cedem, obviamente, se o documento for inidôneo ou se inexistir relação de causa e efeito entre o seu conteúdo e o fato que, com base nele, se pretende provar.
E a prova testemunhal? Basta que se diga que até quando não há um só documento capaz de provar determinado fato, a prova testemunhal é vista com certa reserva e desconfiança, não sendo raras as vezes em que o juiz, na formação do seu convencimento, prefere se valer do bom-senso e de evidências lógicas do que da fala das testemunhas ouvidas, o que revela, em boa medida, o desprestígio, em muitas situações, da prova testemunhal, cuja importância só fica devidamente evidenciada quando esta se destina a reforçar a prova documental.
Proclamam os críticos da prova testemunhal – com certa razão, reconheça-se – que a memória, guardiã de todo o nosso patrimônio cognitivo, na proporção em que tem sua integridade diminuída com o passar do tempo, pode levar-nos, consequentemente, a cometer erros e equívocos sobre fatos que induvidosamente presenciamos. Resumindo: a memória seria “traidora”. Isso quando não partem para atacar a prova testemunhal com o argumento de que raramente a testemunha não tem, de alguma forma, real interesse em relação ao que vai depor.
Pois bem, não bastasse todo esse cenário militando em desfavor da prova testemunhal, recentes pesquisas sobre a memória, realizadas em respeitadas universidades dos Estados Unidos, confirmaram uma antiga suspeita: é perfeitamente possível termos lembranças de fatos e incidentes pessoais que, simplesmente, jamais ocorreram. Também restou demonstrado que pode-se, até com relativa facilidade, plantar falsas lembranças através de perguntas sugestivas.
Trazendo essas conclusões para o campo do Direito, é de supor que, muito provavelmente, terão algum impacto, daqui para a frente, na avaliação da prova testemunhal, já que, afinal de contas, ficou experimentalmente comprovado que nossas lembranças não guardam, necessariamente, uma relação precisa com a realidade dos fatos.
Em excelente matéria publicada na revista SELEÇÕES de maio último, sob o título “O jogo da memória” (págs. 98/105), o psicólogo e professor inglês Martin Conway faz uma oportuníssima observação ao lembrar que “A maioria dos juízes, advogados e policiais não conhece as pesquisas mais recentes e não percebe que a memória está em processo constante de codificação dentro do cérebro. Hoje, sabemos que partes semelhantes do cérebro se ativam quando se fala de um fato real, errado ou inventado”.
Como adverte Alix Kirsta, autor da referida reportagem, a memória apaga-se paulatinamente, o que, como consequência, pode levar-nos, involuntariamente, a “inventar” fatos e incidentes para preencher as lacunas que, no decorrer do tempo, vão se formando em nossas lembranças.
Uma coisa, no entanto, é certa: se não há como provar determinado fato pela via documental, ou se tal via mostra-se insuficiente, a produção da prova testemunhal torna-se imperiosa e inafastável. Portanto, por mais que se tente desqualificá-la ou mitigar sua importância, a prova testemunhal jamais será descartada ou abolida do mundo jurídico. O que está precisando é que os juízes, únicos destinatários que são de todas as provas produzidas no processo, redobrem sua atenção e seus esforços quando da coleta dos depoimentos, buscando elaborar perguntas e fazer intervenções efetivamente inteligentes e capciosas, de modo a garantir que o que a testemunha está dizendo corresponde, fielmente, à realidade dos fatos. Só assim suas decisões serão realmente justas.