quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTRAPONTO ENTRE O ABORTO DE FETO ANENCÉFALO E A EUTANÁSIA NA VISÃO ÉTICA DE ARISTÓTELES

Discutir temas como o aborto e a eutanásia, nada mais é do que discutir dois direitos fundamentais que merecem ser analisados sobre o prisma ético: a vida e a liberdade. O primeiro é o bem supremo do ser humano e, portanto, dever ser encarado com o máximo de cautela, tendo em vista que não se deve, jamais, atentar contra a vida, pois tais atos são os mais graves de todos os crimes – não é por acaso que o Estado delegou aos cidadãos a função de julgar aqueles que matam. Já o segundo, é o bem conseqüência natural do ser que vive: ser livre. Liberdade significa muito mais do que ir, vir ou permanecer. Significa sonhar. Alguém que não é livre não tem o direito de sonhar, seja com seu futuro, seja com seu presente, ou, até mesmo e, por incrível que pareça, com seu passado. O que dizer daqueles os quais seus passados não significam nada e, por via de consequência, nada importa (o caso dos presos esquecidos da justiça)?

Mas a grande questão a se fazer é a seguinte: Seria válido viver tendo a certeza de que jamais será livre? Mudando o que deve ser mudado, transporta-se esta indagação para o aborto e para a eutanásia e se faz mais uma pergunta: A certeza de uma enfermidade incurável seria capaz de tirar o direito (da mãe, no caso do aborto e do enfermo ou de sua família, na hipótese da eutanásia) de escolher entre a vida sem liberdade e a morte?

Estaríamos iludindo - ou sendo iludidos - se tentássemos responder, neste despretensioso ensaio, tais inquietantes indagações. Deixemos esta ingloriosa tarefa para os tribunais. Nossa contribuição restringe-se somente a perquirir superficialmente se as atitudes reflexos do aborto e da eutanásia seriam ou não éticas.

Ético, então, seria o comportamento adequado do homem em determinadas circunstâncias. Sob a perspectiva aristotélica a ética teria como objetivo precípuo a felicidade. Aliás, Aristóteles perguntava: Como o homem deve viver? Do que o homem precisa para viver uma boa vida? De plano, poderíamos responder que só é feliz quem pode desenvolver e utilizar todas as suas capacidades e possibilidades.

Aristóteles acreditava em três formas de felicidade: a primeira forma é baseada numa vida de prazeres e satisfações. A segunda forma de felicidade consiste em uma vida como cidadão livre e responsável. Por fim, a terceira é a vida como pesquisador e filósofo. Aristóteles sublinha o fato de que é preciso integrar essas três formas a fim de que o homem possa levar uma vida realmente feliz. Dizia ele: “Entre a covardia e o arrojo está a coragem; entre a avareza e a extravagância, a liberdade; entre a indolência e a ganância está a ambição; entre a humildade e o orgulho, a modéstia; entre o segredo e a loquacidade, a honestidade; entre a casmurrice e a palhaçada, o bom humor; entre a belicosidade e a bajulação, a amizade; entre a indecisão de Hamlet e a impulsividade de Dom Quixote, o autocontrole”. [1]

Padre Antônio Vieira, conhecido pela história como defensor infatigável dos direitos humanos dos povos indígenas, corroborando a visão aristotélica de ética dizia que “as causas excessivamente intensas produzem efeitos contrários[2], ou seja, somente através do equilíbrio e da moderação é que podemos nos tornar pessoas felizes. Ora, mas se, segundo Aristóteles, é preciso ter prazer e satisfação; ser livre e responsável como cidadão, e ainda, pesquisar e filosofar para que possamos ser felizes, e, consectariamente, sermos éticos, outras duas perguntas não nos faz calar: seria ético um feto, em caso de anencefalia, ser obrigado por lei a nascer, sendo evidente a certeza de que seria impossível desenvolver-se e utilizar todas as suas capacidades e possibilidades? Seria ético deixar viver um ser que não tem mais esperanças de ser feliz – felicidade sobre o ponto de vista ético de Aristóteles? Repita-se: não é nosso intuito responder à tais questões, mas é de nos saltar os olhos – e, se vivo, com certeza pareceria claro também para Aristóteles – que deixar vir ao mundo um feto sem qualquer expectativas de vida, ou, silenciar, quando um ser humano já não mais encontra esperanças em restabelecer-se de grave moléstia, seria, em atos de extremos excessos, tolher destes não só a vida ou a liberdade, seria ignorar os seus sonhos.

[1] Ética, I, 7.
[2] VIEIRA, Antônio. Sermão do Mandato. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000, p. 165-166.