quarta-feira, 11 de abril de 2012

A ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAR “AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE EXECUÇÃO FORÇADA”, COM BASE EM DECISÕES CONDENATÓRIAS PROFERIDAS PELO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO MARANHÃO, EM FACE DE PREFEITOS (OU EX-PREFEITOS) E PRESIDENTES (OU EX-PRESIDENTES) DE CÂMARAS MUNICIPAIS

Como o Ministério Público maranhense continua ajuizando ações de execução (sob a denominação de “ação civil pública de execução forçada”) contra prefeitos (ou ex-prefeitos) e presidentes (ou ex-presidentes) de câmaras municipais condenados por decisões proferidas pelo Tribunal de Contas do Estado do Maranhão, é oportuno que se pergunte: afinal, o Parquet tem ou não tem legitimidade para propor esse tipo de ação?Diga-se, antes de mais nada, que o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, que já se pronunciou, tempos atrás, pela legitimidade da atuação do Ministério Público nesta seara, hoje inadmite que o Parquet possa exercer tal atribuição.
Por ocasião do julgamento da Apelação Cível AC n° 63812008 MA, por exemplo, ocorrido em 23/09/2008 e que teve como Relatora a ilustre Desembargadora Raimunda Santo Bezerra, a posição do Tribunal foi esta:APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE EXECUÇÃO FORÇADA. DECISÃO DO TCE. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A COBRANÇA JUDICIAL DA DÍVIDA.As decisões do Tribunal de Contas que impõem responsabilização de gestor público ao pagamento de multa por desaprovação das contas têm eficácia de título executivo judicial. Art. 71, § 3º da CF. Recurso conhecido e provido.
Exatamente um ano atrás (18/02/2010), quando do julgamento da Apelação Cível AC n° 244422008 MA, recurso este relatado pelo ilustre Desembargador Marcelo Carvalho Silva, restou consolidado o novo posicionamento da Corte, tendo o respectivo Acórdão sido assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE EXECUÇÃO FORÇADA. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. CONDENAÇÃO PATRIMONIAL. ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A COBRANÇA JUDICIAL DA DÍVIDA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.I - A ação de cobrança somente pode ser proposta pelo ente público beneficiário da condenação imposta pelo Tribunal de Contas, através de seu representante legal. Precedentes do STF e do TJ/MA.II - O Ministério Público carece de legitimidade e interesse imediato e concreto ao pretender executar judicialmente crédito de outrem em nome próprio.IV - Recurso desprovido.
Este segundo Acórdão, cujo conteúdo, não há como negar, é absolutamente irretocável, reflete, como já observado acima, o atual entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão sobre esta matéria, entendimento este que, a não ser que altere-se o Código de Processo Civil (como se verá adiante), seguramente não se modificará, nem mesmo por força do contínuo ajuizamento dessas execuções por parte do Ministério Público, todas, por isso mesmo, fadadas ao insucesso quando e se apreciadas pela Corte, na remota hipótese de restarem exitosas nos juízos de primeiro grau.
Mas a persistência do Ministério Público, sem qualquer ironia, tem lá sua razão de ser, embora nem tal compreensível motivo justifique tamanha perseverança.Com efeito, se se considerar que, pelas mais diversas razões, quase sempre inconfessáveis, os prefeitos (a quem, ao lado dos procuradores municipais, verdadeiramente compete tal iniciativa) muito raramente dão-se, espontaneamente, ao trabalho, principalmente quando ainda estão no cargo, de, se condenados pela Corte de Contas neste sentido, ressarcir o Erário municipal (quando são eles próprios os atingidos pela decisão condenatória) ou de exigir, em juízo, que o presidente (ou ex-presidente) da Câmara de Vereadores (sobretudo quando se trata de um aliado político) o faça (na hipótese de ser este o condenado pelo Tribunal de Contas), não há a menor sombra de dúvida de que tais “ações civis públicas de execução forçada”, a despeito, repita-se, do seu flagrante incabimento, atraem a simpatia da opinião pública.
Não fosse, portanto, a expressa vedação legal que impede sua prosperidade (comentada na sequência), poder-se-ia até dizer que estas ações de execução homenageiam, digamos assim, a moralidade administrativa e o respeito à coisa pública, além de contribuírem para dar maior efetividade à norma contida no artigo 71, § 3º, da Constituição Federal, de acordo com a qual as decisões dos Tribunais de Contas guardam eficácia de título executivo.
A questão, porém, é que, por mais simpatia que se possa ter por tais ações de execução, não há como contornar o fato de que o artigo 12, inciso II, do CPC continua em pleno e inabalável vigor, segundo o qual o Município, em juízo, qualquer que seja a natureza da ação, será representado, exclusivamente, por seu prefeito ou procurador, não sendo permitido a nenhum dos dois requisitar que outrem, como o Ministério Público, por exemplo, substituindo-os, represente o Município em suas demandas judiciais, sob pena, exatamente, de negar-se vigência a tal norma (cogente, por sinal) do Código de Processo Civil.
Aliás, não há um só dispositivo do ordenamento jurídico brasileiro – da Constituição Federal à Constituição do Estado do Maranhão, passando, dentre milhares de outros diplomas, pelo Código de Processo Civil, pela Lei n° 7.347/1985 (que disciplina a ação civil pública) e pela Lei n° 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) – que preveja a possibilidade de o Ministério Público eventualmente substituir-se ao prefeito, ou ao procurador municipal, na prerrogativa – que, repita-se, é destes e somente destes e que, também repita-se, não pode ser delegada ou transferida a ninguém – de representar o Município nas ações de execução, mesmo que a reboque ou sob o disfarce de uma ação civil pública, ajuizadas em face dos seus devedores, como, de resto, em todas e quaisquer ações que promova contra quem quer que seja.
E nem se diga, por outro lado, que, sendo o Ministério Público, e não o Município, o autor da “ação civil pública de execução forçada”, estaria suprida tal deficiência representativa, pela simples razão de, pertencente ao Município o crédito constituído pela cominação imposta pelo Tribunal de Contas, somente ele (Município), consequentemente, tem legitimidade para, a seu juízo de conveniência e oportunidade, propor, contra o gestor-devedor, a respectiva ação executória.
Se, neste caso, fosse legalmente admissível a atuação do Parquet, isto é, se o artigo 12, II, do CPC também o indicasse como representante do Município, hipótese aqui aventada obviamente só para dar-se a máxima vazão possível à discussão, ainda assim o autor precisaria ser, obrigatoriamente, o Município, nunca, diretamente, o próprio Ministério Público.
Concluindo este comentário: ao prolatar, em setembro de 2008, o Acórdão relatado pela ilustre Desembargadora Raimunda Santos Bezerra, o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão enfrentou um problema real e recorrente (qual seja, o do insuportável alheamento que costuma acometer certos prefeitos quando o assunto diz respeito ao ressarcimento dos cofres municipais), mas, infelizmente, à custa da vigência do artigo 12, II, do CPC, por ele (Acórdão) inequivocadamente negada.
Ao proferir, em fevereiro de 2010, o Acórdão brilhantemente relatado pelo ilustre Desembargador Marcelo Carvalho Silva, a Corte de Justiça maranhense, como assim deve proceder todo e qualquer Pretório, limitou-se a dar a melhor, mais equânime, mais prudente e mais sensata interpretação aos textos legais examinados e ao Direito posto, não pondo nem retirando uma só vírgula das normas sob exegese nem procurando ver o que o legislador não viu.

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