terça-feira, 13 de setembro de 2011

SOBRE O MALFADADO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL

Está nas mãos do Órgão Especial do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no julgamento que fará do REsp nº 11.35354-PB, dizer, finalmente, se o artigo 1.790 do Código Civil, mais precisamente seus incisos III e IV, é ou não inconstitucional.

Caso o STJ declare, como se espera, que tais disparatados dispositivos são inconstitucionais, restarão corrigidas – novamente pelo Judiciário, e não pelo Poder Legislativo – algumas das mais graves e absurdas falhas do nosso Estatuto Civil, na parte referente ao Direito das Sucessões.

Vejamos, porém, não só o que preveem estes incisos, mas todo o artigo em tela:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Como se observa, esse artigo, em seu caput, preceitua que o(a) companheiro(a) tomará parte na sucessão apenas e exclusivamente no tocante aos bens “adquiridos onerosamente” pelo(a) companheiro(a) falecido(a) ao longo da união estável, diferentemente do que ocorre no casamento, onde a participação sucessória do(a) viúvo(a), consoante dispõe o artigo 1.838 do mesmo diploma, incide sobre todos os bens deixados pelo(a) de cujus.

Essa inexplicável distinção que o legislador traçou entre a entidade familiar constituída por união estável e a tradicional família matrimonializada, conforme mais uma vez acentuou o brilhante civilista paraense Zeno Veloso, em excelente artigo recentemente publicado no jornal “O Liberal” (edição nº 33.308, de 27 de agosto último, página 2), “agride o princípio da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da parificação das famílias”.

Diga-se, por oportuno, que a norma em foco constitui, no entender de praticamente toda a comunidade jurídica, evidente e insuportável retrocesso em relação ao sistema anteriormente vigente para casos deste jaez, disciplinado pela Lei nº 8.971/94, sob cuja égide o(a) companheiro(a) participava, na sucessão, de todos os bens pertencentes ao(à) autor(a) da herança.

Um parêntese: o preconceito estampado no Código Civil, neste aspecto, é tamanho e tão flagrante que a sucessão hereditária, referentemente à união estável, encontra-se incluída como item das “Disposições Gerais” (Livro V, Título I, Capítulo I, abrangido pelos artigos 1.784 ao 1.790), e não, como seria o correto, no caderno seguinte (Título II), denominado, petulantemente, de “Da Sucessão Legítima”, como se a sucessão resultante de união estável fosse, por acaso, ilegítima, imoral ou coisa semelhante.

Quanto às disposições inseridas em todos os quatro incisos, e não somente as dos dois últimos (III e IV, enfrentadas no aludido REsp), a teratologia magna que lhes contamina provém, por inafastável consequência, da inconstitucionalidade incrustada no caput do artigo, já acima comentada, sendo desnecessário alongar-se em sua análise.

O ideal, portanto, seria que o STJ decretasse, já neste julgamento, o que infelizmente não será possível, a inconstitucionalidade não somente dos dois citados incisos, mas de todo o artigo 1.790, providência essa, aliás, que, em elogiável vanguardismo, vem sendo corajosamente adotada por algumas cortes de justiça estaduais.

Que os amantes do bom Direito, associando-se ao pensamento do eminente relator do mencionado Recurso Especial, Ministro Luís Felipe Salomão, roguem aos(às) demais ilustres componentes do STJ, através de e-mails, que não percam essa oportunidade para, unanimemente, porem um ponto final em tão odiosa discriminação estabelecida pelo Código Civil no que se refere à união estável.

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